Acredita em ti.
Irene sorriu a ouvir-se dizer este diálogo
em surdina. Demitiu a alucinação feliz porque era o seu
dom da noite, quando rezava a fantasia de acordar na
manhã seguinte noutro tempo e noutro lugar e dar a mão
a si própria para acolher-se numa cena bem amada.
A mão trespassada pelo cravo do amor último — a mão
do amado. As mãos sem dono de ser. Era assim. Era o seu
sustento.
Maria Velho da Costa
In “IRENE OU O CONTRATO SOCIAL” (Ed. Dom Quixote 2000)
SE EU PUDESSE...
Se
eu pudesse rasgar de vez o coração
no antro da minha sede
acabaria a angústia como todas as coisas que amamos
e se tornam demasiado breves
Se
eu pudesse rasgar o vazio
na convulsão vermelha dum grito espesso
acabariam os gestos secos, as palavras feridas,
os dedos traídos, e todos estes fantasmas transparentes
com rosto de ilesos
Se
eu pudesse ao menos arruinar os sentimentos
e destruir a corrosão dentro de mim
acabaria no paraíso de poros frescos lábios floridos
à janela do possível
já que existir me parece ter sempre os olhos presos
os calcanhares suspensos
A
paz é invisível ou deliberadamente escorregadia
para este desastre que são os meus dedos
Se
eu pudesse esquecer as noites quentes
os abraços, a ternura, o entendimento
rasgava todos os passos
e serena beijava o vento a terra o trigo
Se
eu pudesse Mãe voltar ao teu ventre
e chorar convulsivamente a tua ausência sem te magoar
-Mãe! Esta neve em meu redor fere a pele gela a alma
O Amor sempre o Amor!
esta rotura certa onde quer que eu esteja
Já
não falo da procura, nem dos frutos acabados de colher
adormeço com os pássaros
e os segredos inundados de socalcos
Conceição Baleizão
In (MADEIXAS SILVESTRES)
Ed de Autor
Lisboa 1991
Maria Ângela Alvim
In “SUPERFÍCIE TODA POESIA”
(ed. Assírio & Alvim – 2002)
De désespoir
Je mangerai la terre
Demain
Le grand chien noir
Obscurcit la lampe
Partie la violette sombre aux pommettes spatulées
Partie l’étoile oisive des plaines gonflées de pluie
L’abeille cherche l’épingle au tréfonds de mon regard
Midi
Ma pupille éclate sur la berge
L’arc-en-cie1 de l’orgasme se reflête au plafond
Sous tes genoux serrés mon oeil
S’ossifie
Dans ton sommeil oblique
Une végétation d’étain
Prend feu
Et puis c’est toute l’orbite
Qui se vide dans ma main
Pourquoi ne prendrais-je pas une virgule pour un cœur
La rue n’est que masturbation
De femme
Joyce Mansour
In « CARRÉ BLANC »
EDITIONS DU SOLEIL - « LE SOLEIL NOIR »
Paris 1965
Se houver alguém
Que toque o segredo
Do meu canto.
Beba comigo o travo ardido
Do estio em pranto!
Foi numa tarde em aura
Com lamentos devassados
Que me deixas-te na esquina
Do tempo
Com os olhos molhados
M. Conceição Baleizão
Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
Sophia de Mello Breyner,
In “Obra Poética I”
Acredita
em ti. Irene sorriu a ouvir-se dizer este diálogo
em surdina. Demitiu a alucinação feliz porque era o seu
dom da noite, quando rezava a fantasia de acordar na
manhã seguinte noutro tempo e noutro lugar e dar a mão
a si própria para acolher-se numa cena bem amada.
A mão trespassada pelo cravo do amor último — a mão
do amado. As mãos sem dono de ser. Era assim. Era o seu
sustento.
Maria Velho da Costa
In “IRENE OU O CONTRATO SOCIAL” (Ed. Dom Quixote 2000)
Partiram-me ao meio dizendo
«é agora!»
Depois atiraram metade para a lua.
E eu no luar com um braço de fora
Erguendo o meu resto caído na rua.
Se havia uma estátua
ela era o tamanho
De quanta poeira à passagem erguia.
E eu numa nuvem a ver o desenho
E a cor duma mágoa que não me tingia.
E os anjos à volta
como círios tesos
A desenrolar o seu tédio antigo.
E eu desfraldada nos cumes acesos:
Bandeira de tudo o que trago comigo.
Natália Correia
In “O SOL NAS NOITES E O LUAR NOS DIAS I”
Ed Projornal 1993
Vivo em cama
de pregos, vidros
dentes de fera.
Vivo em chama.
Pegou-se o fogo ao fato
que morte e vida
irmana.
Luiza Neto Jorge
In “A LUME”
Ed Assirio e Alvim 1989
Exposições Individuais
1984 no Círculo Cultural de Setúbal; 1989 em Algés, Palácio
Anjos; 1990 em Lisboa, Biblioteca Nacional
Exposições Colectivas
1990 Exposição evocativa do 1º centenário do nascimento
de Mário de Sá-Carneiro em Lisboa e no Porto na Biblioteca Nacional,
em Paris no Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian
1990 - 1993 Tróia, VII-X Jogos Médicos Nacionais “O médico
na arte”
1992 Curia, VIII Congresso Mundial dos Artistas Médicos
1994 Beja, X Jornadas da Sociedade Médica dos Hospitais da Zona Sul
(1º Prémio do Concurso de Pintura)
1996 Lisboa, I Mostra AMI de Artistas Médicos; ACMP I Exposição
Colectiva de Pintores
1997 Lisboa, ACMP II Exposição Colectiva de Pintura e Desenho;
ACMP Exposição com Chiotti Tavares e Artur Bual; Biblioteca
Municipal de Belém, Colectiva de Pintura de Artistas Médicos
com Artur Bual, Temática de Música;
1998 Lisboa, Galeria Paleta Exposição com Chiotti Tavares, Paulo
Simões e Cristina Carreiro; ACMP Colectiva de Pintores Médicos;
Galeria Capitel Colectiva de Pintura de Artistas Médicos; Hotel Penta
Colectiva de Pintura de Artistas Médicos
1999 Almada, Oficina de Cultura da CMA Colectiva de pintores do ACMP; Lisboa,
CCB Encontros em Lisboa Colectiva de Pintura de Artistas Médicos; Amadora,
ACM Perve Encontro de Arte Global
2000 Lisboa, Perve Galeria Olhos do Mundo; Estoril, ACMP Congresso Patologia
Clínica
2001 Leiria, Perve Galeria Acervo; Lisboa, Perve Galeria: Razões de
Existir, Olhos do Mundo; ACMP Hospital de S. José
2002 Lisboa, Perve Galeria: Sulcos (Roxos) do Olhar, Razões de Existir,
ACMP: Museu da Carris
Je
brule
bougie de froid
Je me brule
en jaune
Jaune
et vert
Salut Marc.
A
Chagall
Gracinda
de Sousa
Enquanto palavra e expressão de
um sentir, a Poesia, a prosa poética e a música suscitam em
mim uma empatia. Este sentir-me compreendida é desencadeante de uma
necessidade de expressão na qual me sinto como que acompanhada, neste
caso pela palavra de Natália Correia, Sophia de Mello Breyner, Luisa
Neto Jorge, Joyce Mansour, M.Conceição Baleizão, Maria
Angela Alvim, Maria Velho da Costa e Dante.
O convite do Director Clínico do Hospital Júlio de Matos constituíu
um desafio que me faz todo o sentido.
Este Parque da Saúde vive com criatividade a diferentes níveis,
do qual o organizativo não ser o menos importante. A abertura para
a partilha de expressão artística de Autores do Parque, permite
mostrar outras facetas por trás das instituições de saúde
que somos e queremos ser.
Por outro lado Março é um mês assinalado da renovacão
da Terra.
Assim, é com muito gosto que exponho estas reflexões e sentires.
Me exponho, porque no princípio era a Poesia.
Gracinda de Sousa